sábado, 23 de julho de 2011

À espera

Sentei-me à espera que passasse a chuva. Aquele café era mais cinzento do que o dia que me olhava pela janela. O rapaz que servia às mesas passou por mim mais do que uma vez sem me ver. À minha volta, pessoas sem nome cujo rosto incógnito eu iria esquecer minutos depois, como se nunca tivessem sequer existido. Perguntei-me se alguém verdadeiramente vê alguém neste mundo. Olhamos nos olhos uns dos outros mas a verdade é que apenas estamos a olhar para dentro de nós, para os nossos desejos, as nossas expectativas, os nossos medos. Do outro, pouco ou nada vemos. Talvez o que está para além de nós não passe de uma projecção nossa, um espelho onde vemos o nosso reflexo interior. Depois, com o passar dos anos, a visão vai ficando cada vez mais turva, até que deixamos de ver definitivamente, mesmo para dentro de nós, porque os desejos não realizados, as expectativas desiludidas, os medos que carregámos sozinhos durante todo esse tempo, tornaram tudo demasiado escuro. Mais escuro do que aquele café, do que aquele dia. Chovia a cântaros lá fora e no avesso dos meus olhos. Passada uma meia hora, o rapaz dirigiu-se à minha mesa e perguntou-me o que iria tomar.
- Um café cheio - disse-lhe com um sorriso triste.
Mais uma vez, fui invisível. Veio curto, como a vida.