quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Post mortem

Depois de me matares com mais de mil golpes, não esperes que me erga com o coração inerte o coração desfeito nas mãos frias e inúteis, para ir ao teu encontro. Não esperes que corra com os pés cheios de feridas de tanto ter caminhado por ti só por ti sempre por ti, para mais uma vez te alcançar. Não esperes que te leve nos lábios mordidos sangrados inchados de dor, as palavras que não quiseste ouvir. Não esperes que te olhe com estes olhos que por dentro te davam o mundo que por dentro te chamavam amor, agora vazios e sem vida, e ainda consiga ver-te. Estou morta. Mataste-me mil vezes mais de mil vezes mais de mil golpes, e nem sequer me enterraste. Deixaste-me à mercê dos dias e das noites sem ti. Entregue ao pó do silêncio que aos poucos me cobriu a própria alma. Nem sequer me ofereceste as últimas flores, as últimas flores que se oferecem a quem nos deixa a quem deixamos partir a quem a morte nos leva. Lembrar-me-às um dia, talvez. Tarde, talvez. E nesse dia talvez nesse dia somente nesse dia, sintas a falta da palavra amo-te na minha voz. A palavra amo-te que não ouviste que não quiseste ouvir que nunca soubeste ouvir. A palavra amo-te que não beijaste que não guardaste e que se repetiu até ao infinito antes do último fôlego. Por ti só por ti sempre por ti.

2 Comments:

Blogger Maria said...

Belo texto. Muito bonita a cadência das palavras, como onda de ir e ir e ir...

Beijo.

10/12/2011  
Blogger ruth ministro said...

Maria, obrigada, ainda bem que gostaste... Beijinhos

10/12/2011  

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