terça-feira, 31 de março de 2015

Dona Deolinda

A Dona Deolinda tinha olhos verdes como
as alfaces que regava todas as manhãs
pela fresca, criava borboletas dentro do
seu chapéu de abas, e usava sempre saia
comprida, tornozelos tímidos roçando as
flores do caminho.

A voz da Dona Deolinda ouvia-se ao
longe, propagava-se pelas colinas, subia
pelas árvores até às copas e ali se
repousava junto dos pássaros que lhe
fizessem companhia.

A Dona Deolinda falava-me da terra
e dos seus frutos, da chuva e do sol,
do calor que secava até as palavras,
duas alfaces muito verdes, os seus olhos,
dos malvados dos bichos.

Mesmo quando não entendia o que
me dizia, gostava de a ouvir.
A voz da Dona Deolinda voava com os
pássaros em torno da minha cabeça,
despenteava-me os cabelos e fazia-me rir.

Hoje sou eu quem fala e ela quem não
entende, a Dona Deolinda não se lembra de
mim. Olha-me com os seus olhos verde alface
que há muito ninguém rega e sorri-me, como
se soubesse que um dia partilhámos segredos
e arrancámos ervas daninhas, o Verão
subindo a pique sobre as roseiras.